quarta-feira, 1 de outubro de 2008

Rotina

Texto de Gabriela Araujo - Diálogo



Passou anos detestando rotinas. Fugia da mesmice do cotidiano como o diabo foge da cruz. Driblava as horas mudando os horários, trazia novidades, buscava o diferente.

A vida sem regras a distanciava de tudo e todos. Não participava de almoços e jantares familiares, costumeiras demais essas confraternização com datas predeterminadas, não matinha amizades, é necessário uma rotina para estabelecer a troca, os relacionamentos, flertes e paqueras, nada mais.

Achava o máximo. Até a falta começar a arder. Sentia o vácuo crescendo dentro. Pouco a pouco pressionando órgãos, cada vez mais órgãos. Fez-se um enorme buraco.

Começou a sentir sua ausência. Falta dos batimentos do coração, não os escutava, do intestino, não funcionava, falta do estômago doendo pelo excesso de comida, ou risada, falta.

Certo dia na cozinha, em um horário nada convencional, preparando o café.

- Não sei se estou com fome.( resmungado) Dei para isso agora.

- Fome não!- alertou a cafeteira em uma inesperada resposta- Você está enlouquecendo.

- Enlouquecendo, eu? (risada irônica)- Até parece.

(suspirando de pena) – Tão sozinha a coitadinha. (pausa) Agora, conversa até com a cafeteira!

( ofendida, apontando para o objeto) – Sou sozinha sim! Antes só do que mal acompanhada. E, quem você acha que é, heim? Imagine que uma velha cafe ( assustada, coloca uma das mãos sobre a boca,olhos arregalado) CAFETEIRA

Abandonou o café, a cozinha, correu para o banheiro. Desespero e vergonha. Sim, estaria louca.

(apalpando o rosto frente ao espelho) – Como pude? (lágrimas escapam) Justo eu. Por quê? Como? Justo eu. Deveria ter procurado um médico. Mas não! Achei que aquela esquisitice toda iria passar. Será que foi a ausência que me fez louca?

- É! – diz o Leite de Rosas em uma prateleira refletida pelo espelho- Toda essa falta ( pausa pensante) todo o desgaste da solidão.

- Como ousa! ( na sua cólera, quebra o espelho com um golpe, vira para o pote) Até você. Um imprestável Leite de Rosas. Estou louca! (girando com as mãos na cabeça) LOUCA...

Tonta, cai no chão. A toalha de banho embrulha seu corpo em um abraço maternal.

- Não fique assim - consola a toalha- Nós daremos um jeito nisso, nessa loucura. Você e eu ( enxugando as lágrimas) juntas.

- Você é uma toalha. (cabeça baixa, olhos fixados no chão) Uma toalha, só! Você não fala. Eu sei. ( olhou para o banheiro, encarando um objeto por vez) Vocês todos não falam!

quarta-feira, 24 de setembro de 2008

Diálogos diversos - Ana Maria


Diálogos diversos

Em São Paulo

De longe vi o carro dele estacionando de novo em frente a minha garagem. Parei pensando em fuzilar a família inteirinha:


- Olá, boa noooooite!


- Oi. Já vou tirar, só vou abrir meu portão.


- Ah, ta bom.


Um farol apressado atrás de mim pedia passagem:


- Vou dar uma voltinha no quarteirão e já volto.


- Ah, desculpe hein!


Cinco minutos depois:


- Ué, não abriu o portão?


- Alguma coisa errada na fechadura. Mas vou puxar o carro pra trás. Péra aí.


Outro farol gritava, sai da frente!


- Já volto aí.


Cinco minutos mais tarde:


- O que houve ?


- Perdemos a chave do carro.


- Vou buscar um chaveiro e já volto.


- Ah, obrigado. Desculpe hein.





A mesma cena no Rio de Janeiro.


Aí, aquele vizinho folgado tá abusando.


- Aí, mermão preciso entrar na garagem.


- Peraí, peraí, já to saindo.


- Legal.


Outro carro encostou atrás de mim e mandou um farol pra eu liberar a rua:


- Aí ó, vou só vou dar uma voltinha e to voltando.


- Ah tá, desculpa aí cara!


Uns cinco minutos mais tarde:


- E aí, o que rolou?


- É mermão, a fechadura quebrou.


Mais um carro na minha trazeira parecia gritar sai da freeeente!


- Já volto aí.


Mais tarde:


- E aí, nada?


- Perdi a chave do carro, cara.


- Vou chamar o bombeiro.


- Valeu!





A mesma cena em Minas Gerais.


De longe eu enxerguei o carro do vizinho encostando no meu portão.


- Uai compadre chegamos juntinho. Preciso entrar em casa.


- Oi compadre. Dá uma esperinha que abro meu portão e tiro o carro daí pra você entrar.


- Claro.


Mas não é que nesse momento apareceu um automóvel atrás do meu e pediu passagem piscando o farol alto?


- Óia, vô até ali e já volto.


- Vixe, me desculpa compadre. Tô atrapalhando.


Depois de um tempinho:


- Uai, compadre não abriu o portão ainda?


- Inguiçou esse trem aqui. A chave nem vira. Mas vou tirar o carro pra você entrar.


Nisso outro carro aponta a luz e pede para eu sair da frente:


- Já volto compadre.


Depois de mais alguns minutos:


- Nada ainda? O que foi?


- Desapareceu a chave do automóvel!


- Vixe que escangalhareira. Vou buscar o chaveiro.


- Não queria te dar esse trabalho, mas vou agradecer sua ajuda.





A mesma cena num cenário bem caipira.


Táva numa lonjura e vi a carroça do cumpadi chegada na minha porta.


- Ei cumpadi cheguei, dá prá levar sua égua mais pra diante.


- Craro qui dá, sô! Tô aqui abrindo a portêra e já levo minha Piroca pra dentro.


- Mas anda ligeiro qui aqui não posso ficá. Vou atrapalhá os passante.


Falei e chegou um pião brabo atrás da minha carrocinha. Resolvi saí pra não criá increnca.


- Vai ajeitando aí qui eu vô vortá.


- Úia qui safadeza minha, cumpadi. Vai mi discurpá de pará na sua entrada.


Dispois:


- Mas cumpadi a tramela inguiçô?


- Deve di sê. Essa tranca num tá levantando. Mas eu vô dá uma puxadinha na Piroca e o cumpadi entra forgado.


Mais aí outro jagunço istancô atrás da mim.


- Priciso disocupá. Já vorto.


Mais tarde um pouquinho:


- Virge Maria, o que tá acontecendo, o cumpadi não tirou a Piroca ainda?


- Ô, num to incontrando um jeito. Esse bicho impacô. Me discurpe.


- Vô na cidade buscá uns cabra pra ajudá.


- Qui bom assim a gente põe a Piroca pra dentro, na marra.





Desculpe, foi engano.

(diálogo entre três pessoas)


- Alô? Alô Isabel, você está me ouvindo? Esses telefones andam uma merda!


- Alô Zinho. Pode falar que eu estou ouvindo bem, querido.


- Ôi amorico, o que aconteceu com você, mulher? Olha que pra você faltar num encontro nosso, só por Deus mesmo!


- Tive dor de dente semana inteirinha. Tentei te avisar, mas só sua mulher atende o celular. Pô, dá um pra ela, assim ela larga o seu telefone.


- Mas você conhece meus horários, Bela. Devia ter ligado quando eu estou sozinha. Ela tem aula de pintura depois das sete, você sabe disso.


- E que horas acha que liguei? Pode ver na memória do seu celular deve ter umas sete ligações minha lá.


-Ih, mas o que você disse pra ela? Ela desconfiou de alguma coisa?


- Que nada, eu perguntei pela Terezinha. Disfarcei bem.


- Hahaha, você é especial, meu amor. Mas e o seu dentinho já sarou, já?


- Às vezes dói um pouco aí ponho algodãozinho com remedinho. Amanhã vou num dentista lá na Freguesia. Já marquei às 3 horas da tarde.


- Ô pombinha amanhã a gente não ia se ver? Vai deixar seu gatinho na espera de novo, vai?
- Se quiser ir junto pode ir. Você vai poder ir comigo?


- Ah não, não posso sair mais cedo do trabalho amanhã. Mas,
(toom, toom, toom, toom) tem gente na linha dois, pêra aí xuxuzinho.


- Alô?


- Ô homem, tô ligando aí faz um tempão e você não atende. Onde você estava?


- Oi mulher, eu tava no troninho. O que foi?


- Viu que vai chover? Precisa fechar as janelas e tirar as roupas do varal. Seu uniforme de trabalho já está seco lá fora.


- Tá bom eu vou fechar tudo. Você vem logo?


- Vou demorar mais um pouquinho. Vai ajeitando a janta pra nós.


- Tá bom, querida. Até já.


-Xau, xau.


-Alô? Isabel meu amor você está aí ainda?


- Isabel! Desde quando me chamo Isabel? Quem é essa vagabunda que você chama de MEU AMOR? Velho discarado!


-Ah querida eu ... eu esqueci de apertar a tecla um (caralho!). Era uma amiga.


- Pode parar de falar seu salafrário dos quinto dos inferno, quanto mais falar mais sujo vai ficar!

(toom, toom, toom, toom) - É ela que está tentando falar com você de novo, seu sem vergonha?


- Como assim, meu amor?


- Que meu amor o quê? Você nunca me chamou assim. Tá pensando que eu sou idiota, é? Se fazendo de Miguel – há há há - Vai catar coquinho seu babaca! Nessa idade elas só querem seu dinheiro. A gente acerta isso quando eu chegar em casa. Me aguarde! Me aguarde!


- (toom, toom, toom, toom)


- ALÔ? QUEM É?


- Ô querido a linha caiu. Você não atendia minha ligação eu fiquei tentanto tentando até ouvir de novo sua voz gostosa. Onde você estava xuxuzinho?


- Fazendo uma baita cagada



O dia da eleição

Texto de Gabriela Araujo

A passageira juventude unia aquela turma de garotos. Despreocupados, viris e jovens. Brincavam na rua quando criança. Donos do bairro das Perdizes, andavam atirando pedrinhas nas ladeiras, pulando o portão baixo do velho chato da Bocaina, cutucando galinhas e pavões do Parque da Água Branca. Se você morou no bairro, no tempo de menos prédios, provavelmente foi vítima de alguma artimanha. Talvez a sorte fosse companheira, apenas trombou com a turma por ali

Sujos e famintos, os anos roubaram-lhe a inocência, as pedrinhas e os portões. Luxuosos edifícios foram construídos, e mais e mais. Já as ladeiras, agora serviam de chegada para o futuro não tão distante. A faculdade. Sobreviveram a turma, os dentes, a Bocaina e algumas poucas galinhas e pavões do parque.

O dia da eleição foi a grande descoberta. Eram adolescentes. Altos, magros, invocados, baixos, o gordinho, intimidavam a preocupação alheia gozando a vida e observando a diversidade do sexo feminino que habitava, até então, secretamente, o bairro. Diziam, saiam da toca somente no dia de votar. Conheciam as ruas, as pessoas, as velhas, mas nunca tinham visto as gostosas!

Data mais significativa do ano, ganhava do revellion , férias de verão, o natal então! Reuniam-se na varando do apartamento mais próximo do colégio eleitoral. Infringindo a lei, há tempos driblavam com olés inacreditáveis guardinhas, freias do Santa Marcelina e as mães, e enchiam isopores com latinhas de cerveja.

Mirante certeiro. De lá podiam analisar com cuidado o alvo. Algumas vezes a infância arteira ajudava. Reconheciam, prima do Joãozinho, filha da Dona Lili, irmã caçula do Pedrinho, sobrinha da Filó. Na época sem bunda e, que beleza! sem peito.

Alguns tentavam a sorte, nem sempre acertavam os tiros, outros arquitetavam planos para amanhã. Um pouco de preguiça, afinal, valia uma garota ao conforto da cerveja gelada, da turma na sacada e das risadas?

Ninguém reprimira o programa. Os pais, as freiras, as tias, os visinhos, bom, esses muitas vezes conduziam sermões com o dedo indicador levantado e voz empostada sobre os direitos e dever de um cidadão, entediante lugar comum. Faltava coragem para proibir a turma de garotos que cresceram com as Perdizes. Sobrava inveja de uma juventude próxima do fim.

terça-feira, 16 de setembro de 2008

Mini contos da Ana Maria




Fazer 4 mini contos sobre 4 personalidades:

1. O deboche era seu feitiço na magia de viver. Deitou na lama para viver da fama de ser atriz.

2. São tantas emoções nas canções. Mas com certeza não há tanta emoção assim no já antigo calhambeque.

3. Nenhuma pista. Tamborello foi a última.

4. De top em top ela se fez. Andando de passos cruzados ela venceu a maior passarela da vida.

Escolher 2 lugares para contar a vida em duas linhas:

1. Toque inglez na Luz que me seduz.

2. Tantos santos, tanta arte. No sacro espaço da Luz a clausura em penitência.

Fazer um mini conto livre:


Encanto de criança



Rebeca fazia mágica com os dedos.

Segurou nas mãos a boneca de pano de sua mãe e desejou que ela se tivesse vida.

Os dedos iam pra e lá e pra cá, estalavam no alto e abaixo do brinquedo, e nada.

Uma palavra mágica aqui e outra ali para transformá-la em amiguinha de verdade.

E pliiiiim! Uma onda de fumaça encheu o quartinho. A antiga boneca com cabeça de porcelana ganhou vida e sentou ao lado da menina: Oba, eu conseguiiiii!

A amiga ria feliz. Ria, ria, ria. Depois beijou tanto o rosto de Rebeca que a boca virou beiço. Ih, a mágica não estava bem feita!

Novas palavras mágicas, novas estalações de dedos e a criaturinha calou-se em seu corpinho de pano e cabeça de porcelana.

Agradecimento


Texto de Gabriela Araujo- Micro conto livre


Companheiro na árdua tarefa de processar a vida. Meus pensamentos ecoam a cada toque sutil de sua organização e os dedos percorrem seu corpo macio ansiosos.

Sou grata a ele, pois é ele quem possibilita minha criação.

Lugar

Texto de Gabriela Araujo

O que é?


Sujo, fiel guardador dos segredos mais fraudulentos. Feijão com arroz, João da Silva. É cana Braba, mas também pode ser pingado. Desgraçado, acaba com o dinheiro suado. Oferece samba e fabrica malandragem.





O que é?




Lá se vê a realidade do jeito que se quer ver. Como baralho de mágica, cartola, lenço. Ilusão, ótica, ângulo, reflexo, não precisa ter nexo. Casa da criação.



Personalidade

Texto de Gabriela Araujo

Quem é?


Sugou veloz a chama da vida. Correu antes do tempo, coroou o vento de amarelo e verde. Perpetua na curva. Lembrança.

Personalidade

Texto de gabriela Araujo

Quem é?


Chiclete, coca-cola e Calhambeque. Era moleque o dono da praça, da moça, da graça. Hoje, majestoso, brilha nos corações maduros

Personalidade

Texto de Gabriela Araujo

Quem é?



Esculpiu a vida através de pequenas peças. Uma a uma. Martelou o tempo, o coração, o homem, o amor. Consumiu essência. Vive na subjetividade de cada interprete.

Personalidade


Texto de Gabriela Araujo

Quem é?



Nasceu protegido e protegido está. Cascavel. Atento, analisou todas as possibilidades do poderoso inimigo. Propagou sua ira como veneno mortal. Depois, o bote fugaz. Sangra o coração rival.

domingo, 14 de setembro de 2008

Abrolhos - Ana Maria (mini conto livre)




Abrolhos

Do outro lado do balcão os olhos esbugalhados laçaram-se em minha direção. Bêbados mal conseguindo manterem-se fixos , engoliam-me.

Oscilavam em longas piscadelas daquelas que quase não voltam, mas iam se reabrindo lentamente.

Às vezes pareciam distantes onde eu era o alvo. Outras, mais intimidativos, me assediavam trôpegos.

Eram olhos de olhares evasivos, perdidos embora me seguissem.

Desequilibrados pelos enormes e seqüenciais goles de vodca os olhos passaram a vagar em sua órbita. Pesados fecharam-se num sono ébrio esquecendo-se de mim.

terça-feira, 9 de setembro de 2008

O esquecimento

Contiunação do texto Desaparição
- Você me vê?- perguntou ela, no mesmo instante. – Me vê como sempre me viu, olhos, cabelos, boca, nariz, pescoço, colo, pernas e tudo?

- Pare com essa bobagem. Volte para cama e durma. Isso não passa de um pesadelo! Aliviada com a resposta retomou seu lugar ao lado daquele que escolhera como eterno companheiro.

Amanheceu. Robotizada levantou na esperança da normalidade. Dobrou os lençóis como de costume, arrumou o quarto como de costume, tirou a camisola como de costume e como de costume foi tomar seu banho matinal. Nada de mudanças na tentativa de retomar a visão do rosto. E, quando olhou-se no espelho, o vácuo.

Não entendia como a ausência da fisionomia só era percebida por ela mesma, afinal o marido sonolento afirmou com nitidez. Continuava enxergando tudo! Permaneceu estática na frente do espelho observando o vácuo que apropriava-se de sua imagem.
Já havia se acostumado com algumas faltas, pensava agora, como poderia viver restringindo-se ao nada? A palavra nada escapou alto. O susto com a própria voz provocou súbita resposta ao acontecido. Agora era o nada!

Como sucção, todo o ar que preenchia o ambiente foi retirado. Os ponteiros do pequeno relógio não moviam-se mais. Paralisaram-se os pingos de água entre a boca da torneira e a pia. Aquela ação havia sido congelada como quando sonhara ser uma geladeira. Apenas seu raciocínio movia-se em velocidade incalculável reproduzindo o som ensurdecedor da verdade.

O casamento arrancou-lhe os sonhos adolescentes de liberdade e conquista do mundo, a maternidade pisoteou a vaidade e o egocentrismo, as dívidas riam de seus desejos, a vida costumeira podava a criatividade, a insegurança calava as vontades. Dia após dia afundava no vão de seu próprio esquecimento.

Um sopro de ar rasgou as narinas completando os pulmões, o delicado barulho do ponteiro avisou as horas,os pingos esparramaram-se na pia e uma gotícula de água penetrou uma das mãos.

Ingênua, tomou distância razoável e mergulhou no interior do espelho. Ficaria ali o tempo necessário para resgatar sua imagem. Anos passaram e nunca ninguém sentiu sua falta. Ela ainda procura por si.

segunda-feira, 8 de setembro de 2008

O foguete

Texto modificado
Como podia caber em minhas mãos?

Estava de olhos vendados quando mergulhei dentro do saquinho e retirei o pequenino instrumento capaz de elevar à outra esfera o imensurável, pensamentos, vontades, desejos, sonhos, recordações. Foi como tirar o coelho da cartola. Mágica!

Passava o objeto entre os dedos arquitetando a melhor forma de organizar a imaginação, afinal, pouco espaço para tanto material. E como era difícil arrumar aquela bagunça.

Gozei das lembranças, como são danadas! Corriam para lá e para cá, o meio fugia do final e gargalhava do caduto começo. Tio João havia me ensinado a arte de amarrar com cordas, gostava de passar ensinamentos de marinheiro para a afilhada. Todos aqueles nós serviram para, depois de capturadas, juntar as partes reconstruindo as histórias. Sorri. Tio João ficaria orgulhoso!

Chorei doída com as curvas da vida. Porque ainda estavam lá, densas sangrando o caminho? Como podiam ser tão audaciosas a ponto de manchar o meu fértil terreno? Descobri, eram como úlceras queimando a parede do meu estômago. Não podia vê-las, mas sabia, estavam lá, e faziam questão de, periodicamente, me avisar da sua existência. Como me incomodavam! Gritavam sofrimento, soluçavam perda, gemiam injustiça. Comprimi tudo dentro de uma caixa, lacrei com fita preta. Decidi, fariam a viagem junto com o resto.

Uma porta. Nela estava escrita, reprimido. Escondia cenas, objetos, sussurros, vontades. As freiras do colégio diziam impróprios pensamentos. Passei anestesiada. Senti cócegas em algumas partes do meu corpo enquanto olhava atenta. Carícias, sussurros, beijos, suor gozavam no máximo prazer. Embalei com cuidado especial, agora sem lacre na porta. Se pudesse dava de presente à freia Benedita. Talvez ela nunca tenha experimentado a sensação, por isso cobrava tanto menosprezo com nossa puberdade.

Voltei. O foguetinho ainda entre meus dedos, agora pronto para embarcar trasbordando da minha essência. De vez em quando ela pinga por aí.

sábado, 6 de setembro de 2008

Mulher faz drama por nada - Ana Maria




Aflita ao constatar que não conseguia ver parte de seu corpo no espelho, a esposa pergunta ao marido:

- Você pode me ver? Olha pra mim, você consegue me ver?

- Vejo sim. É claro que posso, não estou cego.

- Mas você vê meu corpo inteiro, todas as partes?

-Que é isso Jurema, ta com faniquito? Hoje eu to cansado, não quero saber de farra por aqui.

-Não é nada disso Torquato, eu estou desaparecendo aos poucos. Olha pra mim. Você pode ver meu corpo inteirinho? Olha!

- Não, não consigo ver uma de suas orelhas e vejo apenas uma das mãos.

- Então estou mesmo desaparecendo, minha Nossa Senhora!

- Que é isso mulher, fazendo drama por nada? Que desaparecendo o quê?

- Então não estou desaparecendo, homem? E não é pra ficar desesperada se a gente vê parte do corpo? Vou me acabar em nada, uma fumacinha e pluft, acabou. Dona Jurema já era. Acha que não devo me preocupar, é?

- Mas até chegar o pluft pode levar uns quarenta anos, é tempo pra caramba! Tem muita gente que não vive tudo isso.

- Você não está falando sério. Acha mesmo que eu devo me consolar com essa babaquice que me disse Torquato? Acorda homem, EU ESTOU SUMINDOOO!

- Já passa das onze e eu levando às cinco. Você ainda tem uma orelha e uma mão, isso tá bom demais. Agora me deixa dormir e vê se não deixa cair nenhum pedaço seu no meu travesseiro. Boa noite.

Tema do último encontro



Foi nos dado um texto onde a personagem se vê desaparecendo, perdendo partes do corpo. E a leitura termina quando ela pergunta ao marido se ele consegue vê-la. Á partir daí devemos continuar a história como desejarmos.



No próximo encontro deveremos efetuar o pagamento da segunda parcela que será de R$ 80,00.



A oficina deverá continuar em setembro, e provavelmente continuará também em Outubro e Novembro, nas mesmas condições de custo.

quarta-feira, 3 de setembro de 2008

Foguete - Gabriela Araujo

Texto de Gabriela Araujo
Como podia caber em minhas mãos?

Estava de olhos vendados quando mergulhei dentro do saquinho e retirei o pequenino instrumento capaz de elevar à outra esfera o imensurável, pensamentos, vontades, desejos, sonhos, recordações. Foi como tirar o coelho da cartola. Mágica!

Passava o objeto entre os dedos arquitetando a melhor forma de organizar a imaginação, afinal, o espaço era pouco para tanto material. E como era difícil arrumar aquela bagunça.

Gozei das deliciosas lembranças, como são danadas! Corriam para lá e para cá, o meio brincava com o final de esconde-esconde e gargalhavam do caduto começo. Tio João havia me ensinado a arte de amarrar com cordas, gostava de passar ensinamentos de marinheiro para a afilhada. Todos aqueles nós serviram para, depois de capturadas, juntar as partes reconstruindo as histórias. Sorri. Tio João ficaria orgulhoso!

Chorei doída com as curvas da vida. Porque ainda estavam lá, densas sangrando o caminho? Como podiam ser tão audaciosas a ponto de manchar o meu fértil terreno? Descobri, eram perfeitas, inteiras cicatrizes. Gritavam sofrimento, soluçavam perda, gemiam injustiça. Comprimi tudo dentro de uma caixa, lacrei com fita preta. Decidi, fariam a viagem junto com o resto.

Uma porta. Nela estava escrita, reprimido. Escondia cenas, objetos, sussurros, vontades. As freiras do colégio diziam impróprios pensamentos. Passei anestesiada. Uma suave brisa fazia cócegas pelo meu corpo. Embalei com cuidado especial, agora sem lacre na porta. Se pudesse dava de presente à freia Benedita.

Voltei. O foguetinho ainda estava entre meus dedos, agora pronto para embarcar trasbordando da minha essência. De vez em quando ela pinga por aí.

terça-feira, 2 de setembro de 2008

Vida de anjo - Ana Maria Maruggi




Habitamos o sossegado refúgio dos anjos, uma nuvem branca arredondada com ondinhas levemente azuladas nas bordas. Em cada saliência um de nós dorme enlevado pelos sonhos celestiais. A harpa dos céus se faz ouvir nos dando a sensação de paz que precisamos para acreditarmos em nossa condição de anjo.

Tudo está afinado no cenário, menos meus pensamentos que insistem em lembrar o cachorro que me acompanhou enquanto eu era criança. Fui dona do Lico Labrador com quem brincava de argolas e bolas. Parecíamos crianças. Gostávamos de ajudar as velhinhas atravessar avenidas, mesmo as que não queriam atravessá-las. Divertíamos-nos o tempo todo. Nunca pensei que me reservariam um lugar no céu depois de termos descambado na ladeira o carrinho de compras de Dona Margarida. Foi só risada, minha e do Lico.

Talvez eu esteja aqui por causa do meu cão que quase morreu atropelado não fosse eu ter me adiantado e salvo sua vida, em troca da minha. Dona Margarida agora cuida dele, mas não riem tanto. Daqui da nuvem vejo os dois andando lado-a-lado e fico feliz, afinal ele tem uma boa vida de cachorro.

Agora preciso fingir que estou dormindo é hora da vigília.

quarta-feira, 27 de agosto de 2008

Mário, o mar e as relações humanas




Texto de Gabriela Araujo- baseado no conto simples "Mário e Omar"
É isso que dá deixar um amigo para trás.
A humanidade caminha em direção ao progresso tecnológico, enquanto relações humanas retrocedem.
Respeito, amor, fraternidade são palavras distantes do cotidiano. São conceitos pregados nas missas dominicais ou estampados em embalagens de alimentos. Afinal, agora só se fala em consciência ambiental.
Pergunto a você: o que é consciência ambiental?
A resposta provavelmente virá rápida e decorada. Agora responda: o que está em sua consciência capaz de mudar a relação entre você, a comunidade em que vive e o mundo?
Creio, o homem é um ser egoísta por natureza e sua relações com o semelhante e o meio em ambiente iniciam-se apresentando o final próximo.
Como seria o começo se não existisse o final?
Utilizo esse exemplo para embasar minha tese.
Mário adorava seu único amigo, o mar. Os dois mantinham um íntima e estreita relação apesar da forte oposição da cidade.
Partindo do princípio natural da harmonia entre os seres vivos, o bom menino encontrava amparo na imensidão do sábio e traiçoeiro amigo. Sábio, porém traiçoeiro. Nessa caracterização do mar é entregue a primeira dica do final da então perfeita harmonia e cumplicidade entre os personagens principais.
Apesar das diferenças a amizade persistiu por muitos anos até Mário, já homem, se encantar por uma mulher. Não existiu na história, como não existe no dia-a-dia, a possibilidade de compartilhar atenção, principalmente quando o elemento mulher está em jogo. Assim, Mário se viu obrigado a deixar seu amigo, muito amigo, para trás.
O final. O velho traiçoeiro engoliu com ondas gigantescas toda a cidade e vive a espera do amigo. Ele, certamente, nunca vai voltar.
Mas uma vez é provada a essência egoísta humana. Deixamos os belos conceitos da relação humana para caixas de suco de soja e comercial de margarina, sem sal, é claro!

terça-feira, 26 de agosto de 2008

Entre amigas - Do Carmo




A Do Carmo trabalhou esse texto aparando-lhe as arestas. Veja o antes e depois:


Entre amigas


Amiga, estou muito preocupada com a Verinha. Como essa maluquinha irá contar para a mãe que está grávida?

Certa vez comentei:” quando estiver namorando pra valer pedirei à mamãe para ir ao ginecologista, assim evitarei dissabores “. Dona Alice quase teve um ataque, disse que sou “ muito avançada para a minha idade “; ela sufoca a filha, nunca têm diálogos, .não é sua amiga, tão pouco lhe dá conselhos reais e agora pobrezinha, cadê o bonitão? Ela sequer sabe o nome correto do cafajeste. O pior será a reação de dona Alice, ou irá surrar a filha ou mandá-la para o interior ou pior, interná-la no colégio onde viveu depois de órfã.

Mamãe quer conversar com dona Alice, embora seja julgada de “muito liberal“.

Verinha teme seu gênio impetuoso; retrógrada e fechada como é não parece ter estudado tanto. É pessoa esclarecida e trabalha desde antes da filha nascer, continua trabalhando, precisa custear o excelente estudo da Vera (por que será que nunca falam do pai?). A vida nada lhe ensinou com tantos reveses? Ela vegeta na época medieval, seu comportamento é medíocre com tanta repressão e austeridade. Adiantou? Veja o que resultou: gravidez e abandono do rapaz. O que me diz?
Verinha está sofrendo, sente-se angustiada, precisa conversar francamente com a mãe, sentir seu apoio e carinho. Terá? O que mais a aflige é o sofrimento e decepção que causará à mãe.

É muito bom termos as melhores mães do mundo, não é?

Bem garota, chega de falar. Como sempre falei demais, já uma hora, minha bela orelhinha está ardendo. Liga-me mais tarde? Vamos rezar em sintonia pela nossa amiguinha, aquela querida maluquinha.

Beijinhos, beijinhos e inté...



**

O texto era originalmente assim:


Amiga, estou muito preocupada com a Verinha. Como a maluquinha irá contar para a mãe que está grávida?
Certa vez comentei na casa dela, que quando estiver namorando pra valer mesmo, vou pedir que minha mãe me leve ao ginecologista, para que eu possa tomar um anticoncepcional e com segurança evitar dissabores. Dona Alice quase teve um ataque, ela acha que não sou boa companhia para a filha, diz que sou “ muito avançada para a minha idade ”; ela sufoca a pobre filha, nunca têm diálogos, são inibidas para conversar sobre sexo, ou como prevenir-se para evitar uma gravidez fora de hora
.Não é amiga da filha, mantém distância alegando respeito. Esse comportamento deixou Verinha vulnerável e nas primeiras palavras doces entregou-se de corpo e alma.
Cadê o bonitão? Ela não sabe, sequer o nome correto do cafajeste.
O que mais me assusta é a reação de dona Alice, que é bem capaz de surrar a filha e manda-la para o interior morar com algum parente que não conhece ou pior, interna-la no colégio onde ela viveu depois que a mãe morreu.
Sabe amiga, a minha mãe quer conversar com dona Alice, mas Verinha teme o gênio impetuoso da mãe; ela é demais austera, tudo é feio, imoral e pecaminoso. Ela é tão retrógrada e fechada que não parece ter cursado uma faculdade renomada. Ela é pessoa esclarecida e trabalhou quando solteira em empresas de grande porte, casou-se teve essa filha, ainda trabalha, ( por que será que nunca falam do pai? ) para poder oferecer excelente estudo para ela, enfrenta batalhas diariamente, será que a vida nada lhe ensinou com tantos reveses? Nada aprendeu com o tumulto do cotidiano? Não tirou proveito algum das lições que, gratuitamente, a vida oferece. Ela vegeta na época medieval, seu comportamento é medíocre, tanta repressão e austeridade, veja no que resultou: gravidez e abandono do rapaz.

Qual a sua opinião quanto a minha mãe ir conversar com dona Alice, mesmo sabendo que ela acha minha mãe. “ muito liberal para o seu gosto ".
Com muita delicadeza inicia a conversa falando sobre a juventude e com sutileza ela comenta, como se tudo estivesse esclarecido entre mãe e filha, sobre o enxovalzinho do bebê. Será bom? Vale a pena tentar? Ou irá piorar.
Verinha está sofrendo, sente-se angustiada, sufocada, precisa desabafar-se, .confidenciar-se com a mãe, sentir apoio e carinho, Ela sofre mais com a distância que a mãe impõem, do que com o abandono e as complicações e preconceitos que irá enfrentar como mãe solteira. Sabe que o futuro será de lutas homéricas para manter a criança junto dela; o erro não é do bebê e ele não merece castigo, ela assume a culpa do deslize, ambos necessitam de muito amor e carinho, coisa que somente mãe sabe dar.
O que mais a aflige é o sofrimento e decepção que causará à mãe.
Ela não está sofrendo por ter de abdicar tudo ou quase tudo que a juventude proporciona, sabe que agora o filho é prioridade. Todo o tempo que seria para seu lazer, será dividido com a criança. Mas será que hoje ela tem lazer? Não, não tem.
A mãe sempre encontra alguma coisa para fazer junto com ela, exatamente no dia em que acontece uma festa, por exemplo.
Que bom que nossas mães não são DONAS ALICES. Felizmente temos as melhores mães do mundo. São nossas amigas, ouvem e conversam conosco, estão sempre participando de nossos problemas, por mais fútil que sejam, importam-se com tudo o que nos diz respeito,
Ai amiga, que pena tenho das duas!
Bem garota, chega de falar. Como sempre falei demais, estamos há uma hora ao telefone, minha bela orelhinha está ardendo. Liga mais tarde? Vamos rezar em sintonia pela nossa amiguinha maluquinha.
Beijinhos, beijinhos e até. .........

domingo, 24 de agosto de 2008

Segundas intenções - Ana Maria




Alô? Oi querida que bom encontrá-la em casa, precisava contar uma coisa engasgada aqui ó. Sabe o padre que a gente conheceu naquela festa fuleira lá em São Paulo?

Mas como não lembra? Não foi você mesma que me convidou dizendo não ter nenhuma alma caridosa para te acompanhar na festa beneficente daquele padre maluco? Foi sim senhora!

Lembrou, né ? Sabia que não esqueceria, afinal foi lá onde aconteceu aquele encontro desagradável com aquela fulaninha toda “si si”. Como era mesmo o nome dela? Um mau gosto naquele vestido de bolinhas coloridas, credo! Engraçado que essas “rodadas de baiana” são inesquecíveis, mas estou ficando velha, né ?...

Isso não é importante agora, sabe o padreco “cido” ( todo aparecido ele!) ? Então menina, ele tentou voar nuns balões de gás por ai, acabou escafedendo-se no mar.Ficou sabendo? O cara edoidou da carochinha, coitado! Ficou uns dias desaparecido até que ontem encontraram o sujeito mortinho da silva numa praia perto da minha casa em Floripa. Menina, estava irreconhecível, um horror! Estou pensando com meus botões, será que a renda daquela festa foi toda diluída nesse projeto sem nexo de viajar em balões, ou ainda sobrou alguma grana pra gente fazer um “auê” lá em Sampa?

terça-feira, 19 de agosto de 2008

O QUE É QUE A BAIANA TEM? - Do Carmo




O QUE É QUE A BAIANA TEM?


Interessante essa pergunta. Sempre eu quis saber o que é que ela tem, porém nunca ouvi falar de sua essência de sua sensibilidade. A imagem que é passada mostra uma mulher charmosa, sensual, naturalmente bonita, com roupas muito branca, cheia de babados rendados e engomados, vários colares e pulseiras de contas coloridas, turbante ornamentado com flores e frutas, calçada com douradas sapatilhas que rodopiam piruetas com saias rodadas e armadas.

Descreve-se uma baiana como sendo figura folclórica, um mito. Mas o que ela é?

Cogitou-se em descobrir como bate seu coração? Como deve ficar apreensiva quando seu amor sai para a insegurança do mar ganhar o sustento da família? Será fácil passar um dia causticante sentindo-se impregnada do perfume, suado e oleoso, exalado dos acarajés? Como estarão seus pés e pernas ao levantar-se do banquinho tosco em que ficou sentada por horas, aquecendo-se com o calor da frigideira? Nada foi dito. Sua imagem é de glamour.

Teria essa mulher tão decantada, tido tempo para apreciar um por de sol a beira mar, passeando?

E nas estupendas noites de luar, teve oportunidade de ver as estrelas deitada nas areias quentes da praia, namorando seu amado?

E seus olhos de lua cheia como ficam? Apenas choram.

Ela é um pesadelo!

(texto seco) Reza braba (revisado) - Ana Maria



Soco forte no queixo. Tonteou prum lado, e lá vinha outro murro de punho fechado. Tonteou de novo. Caiu o pobre. O rosto inchou na hora. A boca floreou. O sangue verteu. As pernas trogloditaram pela estrada seca em desesperada fuga. O homem tinha medo da surra, mas não podia evitá-la. Apenas pedia “PelamordeDeus pára cum isso”. Já vai pra lá mês que apanha quando passa pela trilha, coitelinho. Apanha por apanhar...

O amor que morava no coração dele, rareou. Chegou a raiva. Muita raiva dos Nereu.

No espelho de casa viu os olhos avolumando. Pensou nos Nereu. A cara arredondava pra caber os olhos crescidos. Incharam, cresceram de dar medo. Duas bolas acesas na cara redonda do infeliz. Pensou na raiva. Chamou a mulher aos berros. Assustada, benzeu-se e entoou uma reza em voz alta. Era o coisa ruim! - disse ela. Ele rezou também. De nada adiantou. Suas orelhas se movimentavam sem querer, à olhos vistos. Incharam e cresceram, cresceram de dar medo. As duas orelhas ficaram enormes, maiores que a cara. A mulher grita. Ele espuma de raiva. Ela reza fazendo o sinal da cruz. De nada adianta...

Mário e Omar - Gabriela Araujo




Mário não poupava o mar de nada. Contava os segredos, fazia confissões, questionava o amor e, quando reclamava do silêncio, seu fiel ouvinte respondia banhando salgado o único amigo.

Toda a cidade mal dizia a amizade entre o bom menino e o velho traiçoeiro, além de roubar a vida de inocentes, agora comia todos os peixes deixando os moradores famintos e furiosos.

Mas, Mário sabia, o amigo, embora teimoso, era inocente. Como? Ele próprio respondeu ao pequeno. Disse das travessuras da lua e do vento responsáveis pelos dias de tormento e do sol, apaixonado se mostrava mais forte e brilhante para conquistar a amada.

O garoto explicava. Bastava prestar atenção e a voz do mar poderiam escutar. Qualquer dúvida, qualquer pergunta ou problema ele conseguia solucionar. Ninguém acreditava. A sentença para o pobre, isolamento. Nada de pesca, nada de barcos e brincadeiras. Era sozinho e sozinho iria ficar.

Mário não se importava e, todas as manhãs, o amigo visitava. Chegava chamando Omar, Omar, e ele respondia balbuciando alegre espumas para lá e para cá.

Passaram-se anos até que Mário se encantou pelo ser mais puro já encontrado. A menina dos cabelos melados era doce demais para tanto gosto salgado. Mário não teve alternativa, deixou a cidade e sofrendo despediu-se do amigo.

O mar, enfim sozinho, gelou-se todo da frieza do menino. Furioso, engoliu a cidade que zombava do destino infeliz, prometeu nunca mais calmaria, disse que do doce o amigo um dia esqueceria e Omar, Omar chamaria.

Ele ainda aguarda inquieto, abandonado e salgado o retorno de Mário.

Contas pagas. - Ana Maria Maruggi



Noite fria na dura calçada da capital paulista. Uma névoa pintava os ares e turvava os olhos da profissa exageradamente maquiada que baforava um Free com filtro. A roupa inadequada para o clima era apropriada para atrair olhares masculinos. Mas o dia estava fraco. Passava da meia noite e nenhum cliente apareceu.

Geni era diferente das outras moças, tinha os cabelos naturalmente ruivos e os lábios atraentes, vestia-se com estilo próprio e era a mais procurada. Mas estava cansada. O salto alto já a incomodava quando enroscava nos buracos do cimento. As esbeltas pernas geladas cobertas por meias pretas movimentavam-se com elegância de um lado para outro no passeio público. Os seios quase à mostra exuberavam como grandes frutas maduras. Vez ou outras ensaiava poses ousadas com o poste de iluminação. Mas não havia ninguém na rua além das moçoilas.

Tinha que pagar o aluguel no dia seguinte ou corria risco de ser despejada. Há muito pensava em se mudar para um apartamento só dela, mas os ganhos ainda não eram bastante. Esperava pelo cavalheiro estrangeiro que prometeu vida séria num país que ela nem sabia dizer o nome. O nome dele também era tão complicado de dizer que ela nem ousava. Começa com V, dizia ela.

Um farol então quebra a esquina e quase cega os olhos verdes da moça. O automóvel avança devagar próximo da calçada e como numa vitrine o motorista passa os olhos pelas dezenas de raparigas que precisam ganhar a vida. A luz do freio se acende ao lado de Geni. Ela se curva sexy e encara seu cliente com um enorme sorriso de contas pagas. A porta se abre para ela que altiva se senta ao lado do motorista. Quase não entendia o que ele perguntava, mas respondia “Yes”. Foram para um luxuoso hotel localizado no bairro dos Jardins onde parecia uma rainha sobre o tapete vermelho do hall. Foi quando notou que o cliente era seu estrangeiro.

Geni nunca mais foi vista na calçada de lama. Mas escreveu para as amigas da calçada da fama...

Vou casar! - Maria do Carmo



VOU CASAR... CONTO A VERDADE?


Quanta angústia, o que fazer. Dizer toda a verdade ou continuar em silêncio e deixar acontecer o inevitável. Não estarei sendo covarde? Penso que sou ainda mais, pois uma pessoa sóbria e de caráter não ocultaria nada, por pior que fosse a revelação.

Verdade, sempre a verdade.

Mas que dilema, fico sentindo vertigens ao imaginar-me contando o meu defeito para o grande amor de minha vida. Crueldade, esperar até dias antes do casamento, muita falta de respeito. Ái! Preciso de iluminação...

Um MILAGRE!

Com efeito, um milagre poderá salvar-me e como estamos no final do ano, tenho certeza: a prece será ouvida; lembro-me de uma oração que realiza desejos na noite de Natal, vou fazê-la mesmo sabendo que o milagre de Natal é negado por jovens.

O mais intrigante neste comportamento é que coisas mais graves e feias eu não ocultei, esclareci no dia do nosso conhecimento. Agora, qual a razão de eu julgar tão traumatizante essa frustração secreta, depois de ter contado, por exemplo, que tenho uma perna mecânica?

Quanta dúvida! Estou em pânico! Preciso dar solução ao drama.

Devo fugir manquitolando com a perna mecânica ou corajosamente enfrento a situação:

escancaro a boca e sem pudor algum mostro meu dente canino implantado.

Ufa! Ponto final.

quinta-feira, 14 de agosto de 2008

Tô cansada - Roxane



Quem sabe ele tenha suas razões
de ser bravo,
de ter mau-humor,
de pegar no meu pé,
de ser chato!

Quem sabe de sua história
com seu pai milíco,
mãe frustada,
família desunida,
que lhe deu pruridos!

Quem sabe?
Porque eu não sei,
e nem quero saber.
Tô cansada!

quarta-feira, 13 de agosto de 2008

Hernandes, o baú e o livro - Gabriela Araújo



Texto de Gabriela Araujo
O jovem milagre negava a noite de natal
O velho livro de história não conseguia mais entender o mundo. Foi no ano de muitos anos atrás que o culto e sábio contador das mais fantásticas histórias, desbravador dos sete mares e único dono da verdade fora deixado servindo de apoio para sanar o rebolado instável do baú responsável pelas freqüentes brigas matrimoniais e por ocultar irrelevantes objetos dos Lima .

Aquele móvel era misteriosamente secular, única herança, cuja dona Carmela fazia questão de exaustivamente insultar, recebida por parte da família de Hernandes. De fato, o baú não era funcional e quando posto como peça decorativa capaz de estabelecer desarmonia entre cores e desordem no minucioso espaço organizado por Dona Carmela.

Como era pesado o coitado! Seu destino não poderia ser diferente. Encontrou repouso junto a estante de livros no escritório de Hernandes, único cômodo protegido e intocado pelas garras da Dona.

Até a chegada do baú, o livro havia encantado noites, aquecido corações das donzelas, encantado crianças, ludibriado a vontade dos jovens para guerras e a ganância de Hernandes pela vida. Quando colocado como apoio ao imprestável, torto de tantos insultos, remoeu seu trágico medíocre fim. E remoer era o única coisa que pode fazer nos muitos anos depois até ser resgatado pelo inventário.

Ocioso, o fantástico observou como tudo estava tão diferente, a começar pelo sopro do vento nas páginas amareladas. Soube, logo na releitura dos parágrafos iniciais, a estapafúrdia novidade, incabível para o detentor de páginas de celebrações e distintas crenças, o jovem milagre negava a noite de natal.


Delírio - Aglaé Torres



Frase nº 2: “A novidade é que na noite de núpcias ele fugiu furtando a perna mecânica...”


DELÍRIO

Na noite que antecedeu o enlace matrimonial, o Sonho!

Ele se viu fazendo amor com a noiva-perna mecânica. Ela infiltrava-se por entre as pernas, descia pelo pescoço. O pé-mão alisando-lhe por inteiro.

Acordou trêmulo. Suor frio. Qual o significado do pesadelo? Consultava a memória tentando descobrir.

A Perna rebelou-se sendo deixada de lado, observando-os amarem-se sôfregos. Ele nem se importava com a retirada dela, mero objeto descartável. Mal sabia! O ciúme fervendo a fogo lento tramou a vingança: tornar-se desejável. Captar atenção.
Dominar.

Noite de núpcias. A noiva em retirada embelezava-se. A perna mecânica, na porta, encostada. Emitindo cintilações. Ele rememorou a noite anterior. O susto, motivo da fuga e do “seqüestro obrigatório” da amante de metal.

Ele despenca na noite conivente carregando a dominadora.

A noiva impossibilitada de segui-los. Seus gritos soluçantes acordaram o Motel Cinco Estrelas:

- Que jeito estranho de fazer amor!

terça-feira, 12 de agosto de 2008

Texto: O segredo do mecânico - Ana Maria Maruggi



O segredo do mecânico

No Natal o mecânico esperava por um milagre. Enfático em suas orações pedia proteção aos Reis Magos . Espera uma luz solucionadora de problemas.

Ia se casar em breve e ainda guardava íntimos segredos. Coisas bobas como: o mau cheiro que exalava do pé esquerdo todas as noites. As ásperas mãos tratadas sempre antes dos encontros. As cáries escondidas não corrigidas por falta de dinheiro. Tudo o atormentava. Mas a perna mecânica o deixava inseguro. O lado direito tinha ficado preso sob um veículo enquanto o consertava e precisou amputá-la. Não contou nada a Madalena até aquele dia.

Casamento marcado para Janeiro com preparativos avançados. E o mecânico desesperado com tantos segredos. Temia pela noite de núpcias quando tudo se revelaria de maneira grosseira. Os amigos aconselhavam a contar tudo para a moça antes de gastar os tubos de dinheiro sob pena de nada se concretizar. Mas ele titubeava, não queria perder a amada por isso nada revelava. Quem sabe para ela nada signifiquem esses segredos e o amor dela por você seja tão grande que ela nem se incomode com esses segredos, diziam os amigos. Mas ele refletia, refletia, e nada fazia. Quem sabe ela tem outros defeitos e até piores e ela também tema revelar para você, insistiam os amigos. Mas o jovem mantinha-se calado.



Chegou o Natal quando ele acreditava no verdadeiro milagre. Em orações enfáticas pediu que os males fossem curados para ele puder ser feliz com Madalena.



E pliiiim! Uma luz colorida se espalhou pela sala escura e ele sentindo-se estranho sentou-se na poltrona diante da árvore de Natal de onde viu tudo acontecer. A porta foi se abrindo lentamente e uma imagem difusa de um Papai Noel surgiu entrando com uma lanterna acesa na mão. O mecânico não conseguia ver o rosto, mas acreditava no milagre de Natal e rezou em voz alta. Noel ajoelhou-se diante dele e aos poucos foi removendo a velha perna mecânica amiga de mais de doze anos. O rapaz rezava enfático e agradecia pelo milagre da Noite de Natal. Papai Noel então se levantou devagar segurando a prótese nas mãos e saiu pela porta deixando a lanterna no chão ao lado do nosso jovem. As preces podiam ser ouvidas ao longe.

Ali amanheceu nosso mecânico sem seu milagre e sem sua perna.

E longe já estava o ladrão de prótese.



...

Frases criadas partindo de outras feases - Ana Maria Maruggi

FRASES OFERECIDAS:
O primeiro jovem negava enfático o milagre na noite de Natal.
A novidade é que na noite de núpcias ele fugiu furtando a perna mecânica.

Frases criadas:


. Natal negava a novidade.
. A noite de núpcias negava o milagre!
. O jovem negava as núpcias.
. O Natal enfático fugiu de perna mecânica.
. Natal, a novidade mecânica.
. A noite fugiu.
. A novidade milagrosa na noite de núpcias: a perna mecânica.
. Milagrosamente, as pernas mecânicas fugiram.
. O jovem negava a enfática mecânica da noite de núpcias.
. Ele era a novidade milagrosa da noite.
. Na noite de núpcias o jovem fugia da perna mecânica.
. O milagre enfatizou a novidade nas núpcias do jovem mecânico.
. O jovem mecânico fugiu na noite de núpcias.
. A noite milagrosa do Natal negava as núpcias do jovem.
. A enfática perna mecânica fugia na noite.
. A primeira noite mecânica de núpcias do jovem.
. A novidade é que ele fugiu do jovem na noite de núpcias.
. Milagre! A perna mecânica fugiu!
. O jovem negava enfático que furtou a perna mecânica.
. Na noite de núpcias, o primeiro milagre!
. O milagre negava o Natal!
. O Natal negava a noite!
. O Natal enfático negava milagres!
. O primeiro jovem fugiu na noite de núpcias.
. Que Natal mecânico!
. Ele negava a fuga.
. Ele negava as núpcias.
. A novidade era o milagre na noite de núpcias.
. As núpcias fugiram mecanicamente.
. O jovem furtou o mecânico na noite de núpcias.
. A perna enfática negava o milagre na noite de Natal.
. As núpcias mecânicas negavam o primeiro jovem.
. A perna do jovem era a novidade na noite de núpcias.
. O Natal era a primeira novidade milagrosa.

sábado, 9 de agosto de 2008

Lição de casa



LIÇÃO DE CASA

Para a próxima quarta feira dia 13 de agosto, temos a seguinte tarefa:

A Bia nos passou as duas frases abaixo as quais foram extraídas de um texto da Lygia Fagundes Telles e com essas frases faremos contos curtinhos partindo da combinação de ambas as frases, mas antes criar 50 frases partindo dessas idéias e usando as mesmas palavras das frases dadas (como nos exemplos que foram feitos em sala na última quarta feira):

FRASE 1 - O primeiro jovem negava enfático o milagre na noite de Natal. (página 18 do texto da Lygia F. Telles).

FRASE 2 - A novidade é que na noite de núpcias ele fugiu furtando a perna mecânica. (página 20 do texto da Lygia F. Telles)

Ela pediu para lermos o texto da Lygia na íntegra, apenas depois de fazermos nossa lição de casa. Quem ainda não tem o texto poderá recebê-lo na próxima quarta feira.

GENTE NOVA NA TURMA!

Chegou a AGLAE com pique total!
Ela é amiga da Do Carmo e já foi se inteirando bem do objetivo da oficina.
Seja bem vinda ao grupo!


Para quem não sabe este blog acolhe todos os textos dos encontros da Oficina Escre(r)ver.

Encontro de 06 de agosto

PRIMEIRO ENCONTRO DE AGOSTO

Fizemos exercícios de criatividade com base em duas frases oferecidas:

frase 1 - As formigas comeram o doce que foi deixado sobre a pia.
frase 2 - Os meninos amanheceram tristes depois da derrota.


Tivemos que criar 20 frases com as palavras extraídas dessas duas frases, e somente palvras das frases. Podíamos alterar gênero e nùmero, ou substivar adjetivos e adjetivar substantivos. Eram combinações de palavras que tinham um sentido. Foi divertido o resultado.

E surgiram frases assim:
O que foi deixado amanheceu triste.
Amanheceu a doce derrota das formigas.
O doce de formigas foi a derrota dos meninos.
A tristeza formigou amanhecida na derrota.
O doce, os meninos, as formigas, amanheceram sobre a derrota.
A tristeza sobre a pia.
Foi a formiga que deixou o menino depois da derrota.
etc

E criamos um pequeno conto com base nessas idéias das frases que criamos em sala, mas para o conto já podíamos colocar palavras novas.

segunda-feira, 4 de agosto de 2008










Da sacola saiam gargalhadas espalhafatosas que até tremiam as alças molengas. A mão enluvada penetrou lentamente provocando mistério e trazendo a pomba que alçou vôo imediatamente.
De repente um livro amarelo saltou para fora assustando a criança curiosa. Do livro voaram porcos, lobos, coelhos, raposas, e outros animais dos contos de fadas, e deu pra ver um pedacinho da imagem do Pequeno Príncipe.
E lá vinha uma cartola preta de onde escapuliam línguas de tintas. O lápis ia rabiscando o espaço criando gnomos e fadas, rainhas e castelos, enquanto a tinta ia colorindo tudo.
A sacola foi aos poucos se escancarando e a mão foi lentamente trazendo criaturas pequenas e delicadas. Eram os incansáveis habitantes da Terra do Nunca.
E lá vinham outras gargalhadas estridentes. E a sacola foi aos poucos desaparecendo dentro da luva branca.


A OFICINA CONTINUA EM AGOSTO!

Já sabemos que a nossa oficina vai continuar em agosto, e provavelmente teremos encontro já nesta quarta feira.

O que ficou combinado por enquanto:

- Cada um de nós vai pagar R$80,00 por mês para Bia. Desta maneira ela não larga nossa turma para ir dar aula de inglês.

- Os encontros começam agora em agosto e terminam em setembro. Serão dez encontros.

Mantenham-se atentos para nosso reinício.

Nos veremos na quarta feira (talvez).

Ana Maria

terça-feira, 29 de julho de 2008

Meu aniversário - Do Carmo



Neste mês, dia dezesseis, completei setenta anos. Pensei em fazer uma comemoração com minha família e meus amigos, coisa simples e sem grandes gastos, mas fui vetada pelo meu genrinho, que ponderou com argumentos bobos, porém como sou obediente, conformei-me.

Mas, querido Rosadinho, tive somente " três " comemorações, sendo que a preparada pela Bequinha e o Marco, quase me derrubou, precisei de muita força para aquentar. Na realidade comemorei 210 anos - 3x70. Veja : dia 15, uma amiga danadinha, pediu que eu fosse rezar com ela pela recuperação da saúde de uma pessoa que eu não conhecia. Até ai, sem mistérios. Preparei-me com uma oração em forma de corrente, que leva uma hora para terminar; marquei todos os textos citados da Bíblia, a na hora marcada, lá fui eu compenetrada para a reza. Subo até o sétimo andar, toco a campainha e quando a porta se abre tcham...... ouço - Parabéns a você, cantado pela amigas queridas - Benê, Mena, Adelina, Aninha, minhas vizinhas e mais a traidora da Lilica, minha ajudante. Haja coração para agüentar. Jantar com petiscos e antepasto sírio, saladas, pizzas, vinho, sorvete, bolo decorado e com velinha. Depois da choradeira, que acabou sendo geral, recebí presentes. São incríveis essas meninas.



No dia 16, foi uma reunião habitual, bolo, torta salgada, biscoitinhos de pimenta e mais fotos, porque na véspera também teve fotos. Noite muito feliz, reunião com os mais queridos do coração e alguns amigos muito íntimos. Tudo em harmonia, alegria e muito amor. Estava marcado pela Rebeca, no dia 19 sábado, um almoço em algum restaurante para comemorarmos novamente meu aniversário e o do Marco, meu genrinho, que é dia 20. Como é hábito, fico pronta esperando eles viram buscar-me. Desço com um presente para o Marco quando estão chegando, Rodrigo e Maria Vitória, minha provável futura neta, e vamos para a casa deles, pois o Rodrigo diz que a mãe esta atrasada. Até ai, nada de anormal. Chegamos, ele estacionou o carro na garagem, do nada a Rebeca surgiu e disse que o Marco estava atrasado, subimos conversando e como é normal em mim, não prestei atenção e quando o elevador parou e desci, a Bequinha abriu uma porta e disse: - mãe, entra. Entrei e vi que estávamos no Salão de Festas e que meu amigos dos Grupos de literatura e do Páteo e os do meu prédio estavam lá, batendo palmas e me abraçando. Bem, abraçando depois de eu ter me agarrado na Bequinha e chorado as lágrimas mais quentes e felizes de minha vida. Não acreditava no que estava acontecendo. Foi uma surpresa surpreendente, maravilhosa, sem termos de qualificação. Nunca me senti tão amada e querida. Uma montanha de presentes estava formada em uma mesinha no jardim perto da piscina. Um bufê de crepes servia bebidas e iniciava o almoço. Chorava e ria por quase uma hora, não sabia se abraçava meus amigos ou parava para fotos com todos, uma emoção indescritível. Fiquei em estado de êxtase até segunda feira, quando comecei a guardar os presentes e me certificar de que era tudo verdade. Bequinha conseguiu tramar tão bem tudo e sem levantar suspeitas, porque teve uma cúmplice e aliada aqui, dentro de minha casa, que me perguntava nomes, sugeria arrumação em meus cadernos e pasta de textos dos amigos, querendo saber o nome, vendo a lista dos participantes dos grupos, traindo-me debaixo de meu nariz. Lilica. Mas que traição maravilhosa, quanto carinho nesses segredos. Eu queria uma comemoração em meus setenta anos, mas jamais imaginara que seria tão maravilhosa, tão ........... tão cheia de amor. Deus me deu um ANJO em forma de FILHA que tem o nome de REBECA, A MULHER INESQUECÍVEL.. .

quarta-feira, 9 de julho de 2008

Carta da Do Carmo para a amiga Raquel






MINHA CASA, 08 DE JULHO DE 2008.

QUERIDA AMIGA RAQUEL:

Saudade, há tanto tempo que não conversamos, tenho mil novidades para contar-lhe, estou em férias das minhas oficinas tão amadas.

Desde o dia 07 de maio estou participando de encontros semanais, às quartas feiras, na Livraria Nobel das Perdizes.

Você não imagina como tem sido agradável e produtivo esses encontros - aulas. Tenho aprendido a ver meus textos com olhos críticos, já consigo detectar meus vícios de escrita. Consigo ser mais precisa e não me perder nos adjetivos, bem como nas explicações inúteis, como se o leitor fosse bobo, não entendesse nas entrelinhas.

Estou, como você sabe, também freqüentando a maravilhosa Casa das Rosas, não abro mão das manhãs deliciosas, mesmo com frio e chuva, da oficina Escrevivendo, não abandono a doce Karen, nossa MESTRA, sempre suave e alegre, orientando pacientemente todo o grupo.

Se não fosse a perspectiva da vinda do Gustavinho, aqui para casa, passar uns dias comigo, sinceramente, entraria em crise de isolamento. Só nos finais de semana é que tenho a companhia da Rebeca, Rodrigo e Marco, pois trabalham e o RO, estuda.
Bem, minha amiga, mande notícias e se vier para Sampa, não esqueça desta sua velha amiga e amiga velha.

Um saudoso abraço e carinhoso beijo. Brilho para a família.

Docarmo.

sexta-feira, 4 de julho de 2008

Dicas de Leitura


Lembre-se que essa é uma lista de sugestões, tem um pouco de tudo, mas não termina por aqui de maneira alguma!



Agora você tem, pelo menos, um livro para ler por mês...



1. A Rosa do Povo - Carlos Drummond de Andrade

2. Nova antologia poética - Mario Quintana

3. A vida como ela é - Nelson Rodrigues

4. O Vampiro de Curitiba - Dalton Trevisan

5. Feliz Ano Novo - Rubem Fonseca

6. Diário do Farol - João Ubaldo Ribeiro

7. A Hora da Estrela - Clarice Lispector

8. As Horas nuas - Lygia Fagundes Telles

9. O pirotécnico Zacarias - Murilo Rubião

10. Balé Ralé - Marcelino Freire

11.Um jogador - Fiódor Dostoiévski

12. Cartas a um jovem escritor - Mario Vargas Llosa


Best-sellers (não tenha preconceito!)


1. A menina que roubava livros (inovador e audacioso)

2. Equador (ótima narrativa lusitana)

3. A elegância do ouriço (a tradução para o português não está brilhante, mas o livro é bastante interessante. Um pouco complicado para os preguiçosos!)

4. Castelo de vidro (li o original e desconheço a tradução para o português. Interessante "biografia"!)


FILME: Pecados íntimos

TEATRO: Alma Imoral


DICAS


1. Procure ler os clássicos. Em se tratando de literatura estrangeira, lembre-se que uma boa tradução é "fundamental" para que o original não se perca. Informe-se sobre as boas editoras e tradutores.


2. Procure ler vários gêneros literários. Evite o preconceito, você poderá se surpreender!


3. Freqüente livrarias, bibliotecas, feiras de livros, exposições, shows, performances, etc. A cultura enriquece.


4. Aprenda de tudo um pouco. Do pouco surjirá o tudo! Estude filosofia, história, psicologia, literatura, cinema, etc.


5. Procure conhecer seu olhar sobre o mundo. Que olhar é esse? Há nele amorosidade? Ódio? Despeito? Humor? E aprenda a ver o mundo também com outros olhos. Um escritor precisa conhecer outros olhares, vozes, sentidos, sentimentos...


6. Trabalhe a memória, talvez o mais caro recurso do escritor. Repare nas pessoas, lugares, bichos, viagens, objetos, casos, etc. Se não é bom nisso, tenha sempre em mãos um caderninho para anotações.


7. Apague, substitua, reescreva, rasgue, delete mil vezes se for preciso. Não tenha medo de "cortar". Nem tudo que escrevemos deve ser aproveitado. Não subestime o leitor! Mas tenha cuidado para não cortar demais. Bom senso. Esse é o segredo.


8. Você pode despoluir seu texto. Sublinhe e verifique se adjetivos, advérbios, e pronomes são mesmo necessários e não redundantes. Elimine ou substitua: "que" , "era", "a sua", palavras repetidas, frases que nada acrescentam ao texto, marcadores temporais desnecessários, ou outros vícios que você tenha e já lhe são conhecidos. Peça ajuda a um colega que goste de literatura. Muitas vezes nossos "vícios" nos passam desapercebidos!


9. Considere o que dizem, mas tenha em mente que nem tudo que foi bom para alguns, será para você (inclusive o que EU digo!). Cada um tem sua própria voz, estilo, tempo. Seja você mesmo! E lembre-se: a "unanimidade é burra" (Nelson Rodrigues).
10. Ser criticado é difícil, mas encare as críticas como uma chance de aprendizado. Você poderá discordar do que dizem, mas poderá também encontrar preciosidades nos "comentários construtivos" daqueles que torcem por você . Abra-se para isso.


11. Não desanime. Se você ver, poderá crer. Se você crer, poderá ver.
Mãos à obra e boa criação literária!


Um beijo saudoso do Escre(R)ver.
Bia O.